Walter Arcela
A MEMUS PB é uma associação que constrói coletivamente a memória musical da Paraíba. A articulação para tal se faz necessária junto aos seus membros fundadores e fundadoras, membros fundadores honorários, membros associados, e todos os colaboradores e colaboradoras da sociedade. Pessoas que têm muito a partilhar a partir de suas vivências que, de certo modo, narram os fatos e acontecimentos do que aconteceu e acontece na música da Paraíba.
Os membros fundadores honorários são personalidades distinguidas para a nossa memória musical, especialmente indicadas e homenageadas em uma prerrogativa apenas para os membros fundadores e fundadoras da Memus PB, conforme o estatuto da nossa associação.
Pensando nisso, a Memus Pb inicia uma série de entrevistas com os membros fundadores honorários, um total atual de dezessete membros de diferentes localidades geográficas que atravessam a memória musical paraibana.
A primeira entrevistada é a pianista Yara Borges. Com formação em música concluída na Paraíba, tendo um acompanhamento do professor, pianista, compositor e maestro José Alberto Kaplan, Yara nasceu em Goiás, tendo ”coração paraibano” como ela mesma afirma. Residindo hoje na Suíça, onde foi para aprimorar-se no piano e seguir a sua carreira, Yara pontua nesta entrevista seus trabalhos favoritos, sua formação musical e o período em que estudou na Paraíba.
A seguir, a entrevista da Membro Honorária da MEMUS PB, Yara Borges.
Como se deu seu início na música e como pianista?
Em nosso ambiente familiar a música sempre foi muito valorizada. Meu pai amava música e minha mãe era apaixonada pelo piano. Meus irmãos também me influenciaram bastante musicalmente, pois em casa se ouvia muita música. Cantigas de criança praticamente não cantei. Minha musicalização foi feita cantando «Olha a Rosa na Janela» de Sérgio Bittencourt, «A Banda» de Chico Buarque, «Madalena» do Ivan Lins acompanhada pelo meu pai e meu irmão Leo ao violão. Minha irmã Terezinha Júlia, quase 20 anos mais velha, foi minha dedicada professora de piano que me conduziu ao curso técnico de Piano do Instituto de Artes da UFGO para as mãos da professora Consuelo Quireze. E assim o piano passou definitivamente a ser meu guia. Iniciei o Bacharelado em Piano na UFGO e conclui na UFPB sob orientação do professor Kaplan. Passei por São Paulo e de lá segui para a Suíça para me aperfeiçoar nos Conservatórios de Zurique e mais tarde de Berna onde obtive o Konzertdiplom sob orientação do pianista e professor Michael Studer. Fiz o Master em Pedagogia do Ensino de Piano (Musikerziehung Hauptfach Klavier) na Alemanha na Martin-Luther-Universität-Halle-Wittenberg, sob orientação do professor Marco Antonio de Almeida.
O estudo de piano é uma atividade bem solitária, assim tenho privilegiado a música de câmara. E de alguns anos pra cá me dedico mais a execução dos clássicos da música popular brasileira. Uma forma de estar no Brasil mesmo vivendo há tantos anos fora.
O que a música representa pra você?
É minha fonte de genuína expressão. A música sempre exerceu um magnetismo, uma força de atração muito especial sobre mim. É o trilho que direcionou e direciona minhas escolhas. A constante que me acompanhou nos momentos de alegrias, de dúvidas, de perdas, de despedidas, de sucesso e que sempre deu um norte a minha caminhada, a minha vida.
Quais dos seus trabalhos artísticos você mais gosta?
O meu xodó é o meu álbum Yara Borges lançado em 2019, com a coprodução da Radio Kultur SRF2 da Suíça, músicas brasileiras e dois tangos argentinos de Piazzolla, com arranjos bastante virtuosísticos e cheios de ginga. Contou com a participação de excelentes músicos no sax, na flauta, no bandoneon e percussão. Além de obras de Ary Barroso, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga entre outros, tem um sotaque bem nordestino visto que o ritmo do baião e faz presente em várias das músicas de compositores como Luiz Gonzaga, Guerra-Peixe, Egberto Gismonti, Francisca Aquino & Ricardo Vasconcellos. Meu livro sobre Didática do Ensino de Piano, um guia prático para o professor de piano, lançado em 2020 na Alemanha pela Editora Wißner (Wißner-Verlag), também é um trabalho que gosto. Mas neste caso é um trabalho mais intelectual.
Capa do livro ”Música: Entre o audível e o invisível,” de Yara Borges Imagem: Reprodução
Como se sente em ser homenageada enquanto Membro Honorária da MEMUS PB?
A proposta da MEMUS é extremamente importante não somente para resgatar a memória da Música na Paraíba, mas também para apresentar essa história para as gerações futuras num país onde a preservação do acervo histórico e cultural é tão carente. Me sinto muito honrada e grata pelo convite feito pela querida Ana Elvira. A Paraíba teve um significado imenso na minha formação profissional como pianista, na pessoa do queridíssimo mestre, o Professor Kaplan. Ao mesmo tempo por ter morado em João Pessoa na minha juventude, como universitária, meu coração se tornou também um pouco paraibano, mesmo sendo goiana de nascimento. Depois de tantos anos fora sinto ainda forte a minha identificação e empatia com a Paraíba. Fazer parte da MEMUS me traz de volta este lugar rico culturalmente e de um povo tão amável.
Complete a frase com sua experiência: “A minha memória musical da Paraíba…”
A minha memória musical da Paraíba me remete diretamente ao Professor Kaplan, a quem devo o convite e a oportunidade de ir passar 4 meses, que depois se tornaram 3 anos, em João
Pessoa. Minha memória me remete a seriedade com que Kaplan se dedicava à música na Paraíba, o empenho e entusiasmo na formação de seus alunos, e isso tudo era muito contagiante para uma estudante de 19 anos. As nossas aulas no final da manhã ou da tarde muitas vezes em sua casa no Bairro dos Estados transformaram e descomplicaram o meu jeito
de tocar piano, aulas cheias de entusiasmo, dedicação, e sempre com muito bom humor. Três meses depois que iniciei as aulas com ele e trabalhando obras totalmente novas para mim, Kaplan me encaminhou para o Concurso da OSPB onde tive a oportunidade de no final me apresentar sob a regência do maestro Eleazar de Carvalho. O ambiente de debates sobre música nos almoços e jantares em sua casa foram para mim muito enriquecedores. Mesmo no início, quando eu ainda não era aluna regular da UFPB, Kaplan nunca me cobrou um centavo por suas aulas. Essa passagem pela Paraíba me abriu a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas não só do universo musical da Paraíba, professores, colegas mas pessoas como Márcia Kaplan
que assumia o papel de mãe de todos os alunos do Kaplan, enfim, sinto uma gratidão imensa por ele, pelos horizontes que ele abriu na minha vida. Por isso tenho nele a principal referência da minha memória musical da Paraíba.