Peleja de Inácio da Catingueira e Romano de Mãe D´água

Adriana Crisanto Monteiro

Serra da Catingueira vista da Fazenda Boa Vista.

Recentemente recebi de minha tia Jeanne Crisanto uma Peleja de Inácio da Catingueira e isso me fez novamente voltar ao passado e resolvi escrever. O rapper Emicida ano passado fez uma música falando sobre o repente de Inácio.

Eu passei minha infância e adolescência escutando falar das Pelejas de Inácio da Catingueira (município localizado a poucos quilômetros da cidade de Patos, interior do Estado da Paraíba) e confesso que sempre revisito essas cantorias para fortalecer minhas origens. Catingueira é um município ainda muito pobre, com bolsões de pobreza gritantes, uma região árida, que chove muito pouco, onde a sobrevivência da população vem da agricultura e da criação de poucos animais. Uma região em que tem também um subsolo rico em minerais, como o quartzo, mas ainda não explorado. Lugar de uma beleza natural ímpar e com serra gigantesca que leva o nome da cidade, Serra da Catingueira. Cidade que ainda salvaguarda suas tradições, com uma rua que atravessa de um canto a outro, uma igreja, uma praça e algumas modernidades que já chegou por lá também.

Álbum de família – Meu bisavô – Pai do meu avô era repentista e meio cego com uma viola de 12 cordas, ou como diria Zé Ramalho, meu Avôhai!

As Pelejas de Inácio da Catingueira eram recitadas pelo avô materno (Antônio Crisanto Dantas), ou por seus amigos violeiros e cantadores que sempre vinham nos visitar na Fazenda Boa Vista, localizada neste município, para prozear, saborear uma buchada com farinha, um picadinho de bode, tomar um banho de açúde, tomar uma pinguinha servida pelo meu pai (Edson Monteiro da Silva), que não bebia, mas servia para os convidados a autêntica água ardente dos engenhos de cana-de-áçucar da Paraíba como honra da casa servir e oferecer o melhor a quem por lá chegasse.

Inácio da Catingueira era um escravo, que mais tarde foi apelidado de gênio escravo. Romano da Mãe D’água, dito Romano Caluete, um pequeno proprietário rural, ambos paraibanos, e teriam travado esta peleja na feira da Vila de Patos, PB, em 1870. O poeta Luiz Nunes Alves fez esta unificação tomando por base os diversos fragmentos que correm na boca do povo, já registrados por Ugolino do Cabugi, Leandro Gomes de Matos, Leonardo Mota, Silvino Pirauá, Chagas Batista, Padre Manuel Otaviano, Rodrigues de Carvalho e Nestor Diógenes.

Diz a lenda popular, pois não sei se é verdade, que essa Peleja demorou vários dias, e que eles seguiram recitando em praça pública e juntou gente para ver isso. Meu avô, Antônio Crisanto Dantas, para resgatar a traição poética do lugar e fazer viver Inácio construiu em praça pública um monumento em homenagem ao poeta escravo. O evento, inauguração do monumento, teve presença de políticos importantes da época, como Ernani Sátyro, Tarcísio Burity e outros políticos da redondeza.

Antes o monumento era de cor Preta, pois Inácio era negro. Mais tarde o monumento foi pintado de branco…coitado de Inácio… deve ter revirado no túmulo a essa altura…mas, em seguida, veio outra administração municipal e pintou o corpo (braços e pés) de preto e a roupa de branco, pois ao que se dizia a época, o gênio escravo vestia-se de branco e tinha um sorriso matreiro.

Peleja, para quem não sabe, é um gênero poético popular dialogado, em que dois poetas compõem versos de improviso um contra o outro, caracterizando uma disputa verbal. Normalmente acompanhada de viola, a forma de composição da peleja se estrutura em estrofes de dez versos, ritmados como o martelo ou como o galope.

A história de Inácio da Catingueira pode ser vista no Portal eletrônico da cidade, no endereço http://www.catingueiraonline.com/2009/05/inacio-da-catingueira-de-escravo-genio.html.Mas, essa riqueza familiar, cultural do meu universo ninguém sentiu e poderá contar ou comprar.

Segue a Peleja de Inácio abaixo e a foto do monumento de Inácio da Catingueira abaixo que pode ser vista no Portal Catingueira Online. Com a Peleja segue também o desafio para os cantadores e poetas deste tempo eletrônico e cibernético repetir a proeza de Inácio e Romano de Mãe D´Água de cantar por 24 horas.

Foto do monumento Inácio da Catingueira disponível no Portal Catingueira Online.