Yerko Francisco Pinto Tabilo: uma trajetória além de fronteiras

10/08/2021

 

A MEMUS PB é uma associação que possui entre seus membros pessoas apaixonadas por música e pessoas de contribuição inestimável à música da Paraíba. Especialmente no último grupo, cada uma dessas pessoas poderia ser tema de um texto abordando sua trajetória musical ou de um episódio do nosso podcast Memórias Sonoras. Poderíamos falar bastante sobre eles ou elas. Mas se falar sobre eles/elas já é de tamanha potência, imagina quando uma membro fundadora da MEMUS fala sobre outro membro fundador através de uma pesquisa científica? 

Foi o caso da violinista e pesquisadora Renata Simões, que apresentou o artigo ‘‘Yerko Francisco Pinto Tabilo: uma trajetória além das fronteiras’’, no V Colóquio do PPGM-UFPB, como o título evidencia, sobre a trajetória do também violinista nascido no Chile e radicado na Paraíba há mais de 40 anos, Yerko Tabilo. Renata faz parte do programa de doutorado em etnomusicologia pelo PPGM-UFPB, sob orientação da professora Dra. Eurides de Souza Santos, e sua pesquisa é justamente sobre Yerko, e parte foi apresentada como artigo no referido colóquio. 

Renata aborda em sua pesquisa a trajetória de Yerko, um dos responsáveis pela criação do Quinteto da Paraíba, através de inúmeras entrevistas com o instrumentista que vive na Paraíba desde 1979, época em que o departamento de música da UFPB recebeu musicistas do mundo todo, e em particular de países da América Latina, para compor seu corpo docente. À guisa de uma bibliografia do campo de estudos decoloniais, utilizando autores como Walter Mignolo e Luiz Rufino, Renata explora a formação de Yerko com o maestro Jorge Peña (torturado e fuzilado por oficiais de Pinochet na ocasião do Golpe de Estado no Chile, em 1973), e como o docente descoloniza seus métodos de ensino através de atitudes que transgridem e ressignificam os cânones do aprendizado de um instrumento provindos do sistema de ensino conservatorial da música clássica européia

Durante a apresentação do artigo, a pesquisadora fez uma fala sensível a respeito do seu objeto de estudo, buscando ‘‘perceber em Yerko, em sua história como violinista e docente do departamento de música que o fez construir uma história profícua não só como instrumentista e professor mas como ser humano’’ e afirmou que ‘‘Pesquisar é viver. E se não vivemos o que pesquisamos, estamos fadados a trazer à academia papéis que muito facilmente poderão esvair-se com o tempo.’’ 

Abaixo você pode ler a pesquisa de Renata Simões, retirada do caderno de resumos do colóquio, disponibilizado pelo site do PPGM-UFPB.

Yerko Francisco Pinto Tabilo: uma trajetória além de fronteiras

Renata Simões

A Paraíba tem sido (re)conhecida nacionalmente não apenas pelo seu amplo movimento musical, mas também pelos músicos que daqui saem para trabalhar nas mais diversas áreas do Brasil e do exterior. Nesse contexto, o professor chileno Yerko Francisco Pinto Tabilo tem exercido significativa influência. Nascido na cidade chilena de La Serena, Yerko Francisco Pinto Tabilo iniciou seus estudos de violino na Escuela Experimental de Música de La Serena, onde participava da Orquestra Sinfónica Infantil de Chile y Latinoamérica formada, em sua maior parte, por crianças de baixa renda. Nessa orquestra, Yerko teve contato com aquele que veio a ser um grande exemplo de vida e luta pela música, o Maestro Jorge Peña Hen. Após a impactante morte de Jorge Peña, torturado e fuzilado por oficiais de Pinochet na ocasião do Golpe de Estado, Yerko partiu para Santiago para cursar o Bacharelado em Música na Universidade Católica do Chile. E foi em Santiago que recebeu o convite para vir dar aulas no Brasil, aqui chegando em março de 1979, logo após a criação do Departamento de Música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), também em um momento de ditadura e sob uma legislação que permitia indivíduos sem curso superior atuarem nas Universidades através de um notório saber. Nunca tendo lecionado, Yerko foi, aos poucos, ganhando espaço na Paraíba como professor e como violinista. Hoje, Yerko é (re)conhecido nacionalmente e tem alunos e ex-alunos atuando nos mais diversos espaços da música, tanto no Brasil, como no exterior. Para construir a compreensão e a interpretação dessa trajetória e também das ações e pensamentos nela envolvidos, tenho utilizado a ferramenta da etnografia que, nesta pesquisa, está sendo realizada através da história dos personagens e contextos nela inseridos, bem como dos relatos de seus atores sociais. E a partir desses relatos tem sido possível perceber que toda essa trajetória foi composta por atitudes e pensamentos que muitas vezes divergiam dos tradicionais cânones estabelecidos por uma herança comportamental desenvolvida e estabelecida pelo campo da música erudita ocidental. Assim, tomando como base os estudos sobre decolonialidade, o interesse deste estudo é entender quais seriam as rupturas e conformações na história musical de Yerko que teriam feito diferença para essa trajetória tão profícua. Dentro desses estudos, além de autores que lideram as discussões sobre o tema da decolonialidade como Walter Mignolo e Catherine Walsh, pretendo examinar as ações de Yerko inspirada no conceito de Pedagogia das Encruzilhadas de Luiz Rufino, um conceito que pensa uma educação decolonial como um campo de infinitas possibilidades, tendo na figura do orixá Exu a representação da mobilidade das transformações e, portanto, a capacidade de romper com os cânones já estabelecidos.